sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Trailer do Auto da Compadecida



O Auto da Compadecida - Opinião







João Grilo e Chicó arrumam um emprego com o padeiro da cidade. O cachorro da mulher do padeiro fica doente, João Grilo e Chicó vão à igreja para pedir ao padre que benzesse Xáreu. Mas o padre não concordou, João então disse que o cachorro era de Antônio Morais, um homem poderoso. Ao ouvir isso o padre aceitou benzer.
Quando iam saindo da igreja Chicó e J. Grilo viram Antônio indo para igreja. João se aproximou e avisou que o padre estava ficando louco chamando a todos de cahorro, para que ele não reparasse. Quando Antônio entrou na igreja logo o padre veio recebê-lo, como ele queria que a filha dele fosse benzida não houve confusão no início da conversa até que o padre referiu-se a cachorros e assim ofendeu a Antônio que disse que iria falar com o bispo sobre a groceria do padre.

Assim que ele saiu chegou na igreja o padeiro e sua mulher, João Grilo e Chicó. Xáreu acabava de morrer e a mulher queria que o cachorro fosse enterrado em latim. O padre e o sacristão não concordaram, mas João que podia agir como quisesse para conseguir o enterro logo inventou que o cachorro era cristão e em troco do enterro deixava dez contos de réis para o padre e três para o sacristão. E assim o enterro foi feito.
Quando voltaram à igreja o bispo estava lá e já sabia das reclamações contra o padre. Ao saber do enterro condenou a ação como um sacrilégio, mas João logo disse que o animal tinha deixado três contos de réis para o sacristão, quatro para o padre e seis para o bispo e assim todos concordaram com o enterro.

Foi então que a muher chegou trazendo o dinheiro para que João o entreguasse ao pessoal. Quando ela estava indo embora J. Grilo lhe ofereceu um gato que “descomia” dinheiro. A mulher ficou animada e comprou o gato, mas logo que foi embora voltou como marido, pois já tinha arrancado do gato todo o dinheiro que Chicó tinha infiado no pobre animal.
Nesse momento entrou na igreja Severino e seu capanga. Ele tomou todo o dinheiro e matou o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e sua mulher. Quando chegava a vez de João ele ofereceu a Severino uma gaita que ressucitava as pessoas.

Para demostrar a eficiência da gaita João deu uma facada em Chicó e lhe furou uma bexiga de bode cheia de sangue que a um tempo atrás Chicó havia pindurado em si por baixo da blusa. Logo depois começou a tocar a gaita e Chicó fez que havia ressucitado.
Em troca da gaita queriam a libertação. Mas Severino estava indeciso então João falou que ele poderia ir ver seu padrinho Padre Cícero, assim o capanga de Severino lhe dá um tiro e em seguida tocou a gaita e obviamente o cangaeiro não voltou à vida. O capanga tentou matar João e assim os três começaram uma luta e João Grilo acabou por enviar uma faca no homem.

Chicó correu pra fora da igreja, João ainda foi até Severino e pegou o dinheiro do enterro e o da padaria. O capanga que ainda não havia morrido, pegou o rifle e em seu último minuto deu um tiro em J. Grilo.
Aparecem então todos no céu. Era a hora do Juízo Final. Apareceram o diabo e Jesus e deu-se início ao julgamento, o diabo acusou a todos e Jesus viu que aquele era um caso díficil. João então chamou Nossa Senhora, mãe de Jesus para interceder por eles. Foi o que ela fez. O padre, o bispo, o sacristão, o paderio e sua mulher foram todos para o purgátorio. Severino e o seu capanga foram absolvidos e foram para o paraíso. João simplismente retornou a seu corpo.

Quando acordou viu Chicó e um palhaço o enterrando, quando ele levantou o palhaço saiu correndo e Chicó de tanto medo nem conseguiu correr. Depois de uma pequena confusão João conseguiu fazer seu amigo acreditar que ele estava vivo. Os dois então se animaram afinal estavam ricos com o dinheiro do enterro e o do padaria que o cangaceiro havia roubado.
Mas Chicó lembrou que prometou a Nossa Senhora que se João escapasse dessa lhe daria todo o dinheiro. Assim os dois começaram a discutir sobre a promessa. Por fim os dois acabaram indo pagar a promessa e entregaram todo o dinheiro a Nossa Senhora. 

Por Rebeca Cabral

ARIANO SUASSUNA - O AUTO DA COMPADECIDA - resumo e análise


O AUTO DA COMPADECIDA E O ESTILO DE ÉPOCA

O teatro, isto é, o texto teatral é uma forma cultural, diferente de outras formas culturais que têm no texto seu veículo de comunicação. Uma peça teatral, portanto, não é a mesma coisa que um romance, um conto ou um poema, esse últimos indicativos de outra forma cultural, a Literatura.
Em linhas gerais, o teatro recebe um impacto muito maior dos condicionamentos de um dado momento histórico, do que, por outro lado, recebe a literatura. Esses impactos se refletem na temática, no tratamento do assunto, nas técnicas propriamente teatrais (cenarização, cenografia, ritmo, iluminação, etc.). Por outro lado, uma peça teatral pode descobrir motivos de criação em outras modalidades essas que podem ou não interessar à Literatura.
Uma tragédia de Ésquilo, concebida nos elementos estruturais da cultura grega clássica, pode adquirir uma roupagem interpretativa moderna, e, como representação de um texto, ser perfeitamente assimilável pelo público contemporâneo, tornando-se com isso uma peça moderna.
O grande dramaturgo brasileiro, Guilherme de Figueiredo, compôs uma série de textos do teatro moderno brasileiro, que consistem na imposição de uma nova "roupagem" a determinados temas da cultura grega clássica.
Em resumo, quando tentamos verificar a que estilo de época se liga um texto teatral, deveremos fazê-lo, não em função de critérios válidos para a Literatura, mas em função de critérios possíveis para a história do teatro.
Nesse sentido, verificamos que Auto da Compadecida apresenta os seguintes elementos que permitem a identificação de sua participação num determinado estilo de época da evolução cultural brasileira:
1- O texto propõe-se como um auto. Dentro da tradição da cultura de língua portuguesa, o auto é uma modalidade do teatro medieval, cujo assunto é basicamente religioso. Assim o entendeu Paula Vicente, filha de Gil Vicente, quando publicou os textos de seu pai, no século XVI, ordenando-os principalmente em termos de autos e farsas.
Essa proposta conduz a que a primeira intenção do texto está em moldá-lo dentro de um enquadramento do teatro medieval português, ou mais precisamente dentro das perspectivas do teatro de Gil de Vicente, que realizou o ideal do teatro medieval um século mais tarde, isso no século XVI, portanto, em plano Quinhentismo (estilo de época).
2- O texto propõe-se como resultado de uma pesquisa sobre a tradição oral dor a romanceiros e narrativas nordestinas, fixados ou não em termos de literatura de cordel. Propõe, portanto, um enfoque regionalista ou, pelo menos, organiza um acervo regional com vistas a uma comunicação estética mais trabalhada.
3- A síntese de um modelo medieval com um modelo regional resulta, na peça, como concebida pelo Autor. Se verificarmos que as tendências mais importantes do Modernismo definem-se no esforço por uma síntese nacional dos processos estáticos, poderemos concluir que o texto do Auto da Compadecida se insere nas preocupações gerais desse es tilo de época, deflagrado a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Um modelo característico dessa síntese se encontra em Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1927, e em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956), entre outros.

A ESTRUTURA DO AUTO DA COMPADECIDA

A - Personagens. A peça apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo.

PRINCIPAL: João Grilo
OUTRAS: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio.
LIGAÇÃO: Palhaço
As personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da estrutura da peça porque ela assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto.
· João Grilo é a personagem principal porque atua como criador de tosa as situações da peça.
· As demais personagens compõem o quadro de cada situação.
· O Palhaço, representando o Autor, liga o circo à representação do Auto da Compadecida.

Organizado o quadro desses personagens, vejamos agora as características de cada uma delas.

a) JOÃO GRILO. A dimensão de sua importância surge logo no início da peça quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço. Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.
"PALHAÇO: Auto da Compadecia! Umas história altamente moral e um apelo à misericórdia.
JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada" (p.24).
Mas a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas desenvolvidas por essa personagem:
1ª) a benção do cachorro, e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: "Era o único jeito de o padre prometer que benzia. Tem medo da riqueza do major que se péla. Não viu a diferença? Antes era " Que maluquice, que besteira!", agora "Não veja mal nenhum em se abençoar as criatura de Deus!" (p.33).
2ª) a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: /.../ "É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido".(p.40). "Não sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro"(p.41).
3ª) o testamento do cachorro. JOÃO GRILO: "Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão" (p.63-64).
4ª) o gato que "descome dinheiro". JOÃO GRILO: "Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato maravilhoso, eu descome dinheiro" (p.38). "Então tiro. (Passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões). Esta aí, cinco tostões que o gato lhe dá de presente"(p.96).
5ª) a gaita que fecha o corpo e ressuscita. JOÃO GRILO: "Mas cura. Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer" (p.122).
6ª) a "visita" ao Padre Cícero. JOÃO GRILO: "Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta" (p.127).
Essa situação decorre da anterior, mas pode ser considerada com o independente.
7ª) o julgamento pelo Diabo (o Encourado). JOÃO GRILO: "Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida!"(p.144).
8ª) o apelo à misericórdia (À Virgem Maria). JOÃO GRILO: "Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver?" (p.169).
Observemos agora a distribuição das personagens nas situações acima definidas, situações essas todas elas deflagradas por João Grilo, como já foi observado:
SITUAÇÃO/ PERSONAGENS/ CONTEÚDO DA SITUAÇÃO
1ª João Grilo Chicó Padre João: a bênção do cachorro da mulher do padeiro.Expediente de João Grilo: o cachorro pertence ao Major Antônio Morais.
2ª João Grilo Chicó Antônio Morais Padre: chega o Major Antônio Morais.Expediente de João Grilo: o Padre João está maluco, benze a todos e chama todo mundo de cachorro.
3ª João Grilo Padre MulherPadeiro Chicó Sacristão Bispo: o testamento do cachorro morto.Expediente de João Grilo: o cachorro morto, encomendado em latim e tudo mais, deixa no seu testamento dinheiro para o Sacristão, para o Padre e para o Bispo.Fonte do dinheiro: o Padeiro e sua mulher.
4ª João Grilo Chicó Mulher: a mulher do Padeiro lamenta a perda de seu cachorro.Expediente de João Grilo: arranja-lhe um gato que descome dinheiro. Vende-o e afaz seu lucro.
5ª João Grilo Chicó Bispo Padre Padeiro Frade Sacristão Mulher Severino (do Aracaju) Cangaceiro: o assalto do cangaceiro Severino do Aracaju.Expediente de João Grilo: a gaita que fecha o corpo e ressuscita. A bexiga cheia de sangue.Evento especial: todas as personagens morrem, inclusive João Grilo.
Salva-se Chico
6ª Palhaço João Grilo Chicó Todas as demais personagens Demônio O Encourado Manuel: ressurreição no picadeiro do circo. O Julgamento pelo Demônio, pelo Encourado e por Manuel (Cristo).Expediente de João Grilo: forçar o julgamento, ouvindo os pecadores.
7ª Todas as personagens A Compadecida: condenação dos pecadores, Expediente de João Grilo: apelo à misericórdia da Virgem Maria.
Pela composição do quadro acima, nota-se que em todas as seqüências a presença de João Grilo é fundamental. Daí a afirmação de que a peça gira em torno dessa personagem, do ponto de vista estrutural.
Que é João Grilo?
· João Grilo é uma figura típica do nordestino sabido, analfabeto e amarelo.
· Habituado a sobreviver e a viver a partir e expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira.
· Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de Manuel (Cristo), retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa oportunidade foi ou não bem aproveitada.
b) CHICÓ. Companheiro constante de João Grilo e, especialmente, seu diálogo. Chicó envolve-se nos expedientes de João Grilo e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um amigo leal.
c) PADRE JOÃO, O BISPO e o SACRISTÃO. Essas personagens, embora de atuação diversa, estão concentradas em torno de simonia e da cobiça, relacionada com a situação contida no testamento do cachorro.
d) ANTÔNIO MORAIS. É a autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes e a gente miúda.

e) PADEIRO e sua MULHER. Encarnam, um lado, a exploração do homem pelo homem e, de outro, o adultério.
f) SEVERINO DO ARACAJU e o CANGACEIRO. Representam a crueldade sádica, e desempenham um papel importante na seqüência de número cinco, porque nessa seqüência matam e são mortos. Com isso propicia-se a ressurreição e o julgamento.
g) O ENCOURADO e o DEMÔNIO. Julgam, aguardando seu benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar que representam, de alguma forma, um instrumento da Justiça, encarnado em Manuel (O Cristo).
h) MANUEL. É o Cristo negro, justo e onisciente, encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência mundana, do preconceito, do falso testemunho, da velhacaria, da arrogância, da simonia, da preguiça. Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e com prudência.
i) A COMPADECIDA. É Nossa Senhora, invocada por João Grilo, o ser que lhe dará a Segunda oportunidade da vida. Funciona efetivamente como medianeira, plena de misericórdia, intervindo a favor de quem nela crê, João Grilo.
B- Estrato metafísico. Pela atuação das personagens, pelo sentido global que encima a peça, percebemos claramente que nela existe uma proposição metafísica, vinculada à Igreja Católica e à idéia da salvação.
Ao lado da significação global do texto, como estrutura, o Palhaço define essa proposição claramente.
O Palhaço realiza, nessa peça, o papel do Corifeu, no teatro clássico, e sua intervenção corresponde à parábase da comédia clássica - trecho fora do enredo dramático em que as idéias e as intenções ficam claramente expressas:
PALHAÇO: "Ao escreve esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua lama é um velho catre, cheio de insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque acredita que esse povo sofre, é um povo e tem direito a certas intimidades" (p.23-24).
"/.../ Espero que todos os presente aproveitem os ensinamentos desta peça e reformem suas vidas, se bem que eu tenho certeza de que todos os que estão aqui são uns verdadeiros santos, praticantes da virtude, do amor a Deus e ao próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões, excelentes empregados, sóbrios, castos e pacientes" (p.137).
A intenção moral, ou moralidade da peça, fica muito clara, desde que se torne claro, também, que essa intenção vincula-se a uma linha de pensamento religioso, e da Igreja Católica.

NOTA: Adaptado da análise do livro Vestibular-76 (1976), da Editora O Lutador-MG, edição dirigida aos exames vestibulares da UFMG.


O Filme:
Título Original: O Auto da Compadecida
Gênero: Comédia
Origem/Ano: BRA/1999
Duração: 104 min
Direção: Guel Arraes / Mauro Mendonça Filho
Elenco:
Fernanda Montenegro... A Compadecida
Matheus Nachtergaele...Jõao Grilo
Selton Mello...Chicó
Lima Duarte...O Bispo
Rogério Cardoso...Padre João
Denise Fraga...Dora
Diogo Vilela...Padeiro Eurico
Maurício Gonçalves...Jesus Cristo
Marco Nanini...Severino de Aracaju
Luis Mello...Diabo
Paulo Goulart...Major A.Moraes
Virginia Cavendish...Rosinha
Bruno Garcia...Vicentao
Enrique Díaz...Cangaceiro
Aramis Trindade...Cabo Setenta
Sinopse: As aventuras de um sertanejo pobre e mentiroso, chamado João Grilo, narradas na premiada peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, originalmente escrita em 1955 chega ao cinema na versão de Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão. O filme tem a direção de Guel Arraes, que filmou em Cabaceiras, no sertão da Paraíba (a peça é situada em Taperoá, pertinho de Cabaceiras), e ainda ganhou trilha sonora original, com produção de João Falcão, e um tratamento visual que faz um paralelo entre o Nordeste dos anos 30 e a Idade Média.
Matheus Nachtergaele interpreta João Grilo, o nordestino sabido, que luta pelo pão de cada dia, e atravessa vários episódios enganando a todos, ao lado de Chicó (Selton Mello), seu companheiro de estrada. Descritos como personagens picarescos pelo diretor Guel Arraes, João Grilo e Chicó são os protagonistas desta história.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Adeus Lenin - Fotos


Adeus Lenin

"Adeus, Lênin! É um longa imperdível não só para os cinéfilos, mas para todos aqueles que desejam aguçar sua visão de mundo e conhecer um pouco mais da história além de seus horizontes"

Muitos acham que obras de arte são retratadas apenas em quadros de pintores famosos... mero engano. Existem bons filmes, mas existem àqueles que considero verdadeiras obras de arte, como no caso de "Adeus, Lênin!"; uma lição de vida; uma aula sobre história e política; a visão da população com o fim da Alemanha Oriental. O roteiro de Wolfganger Becker (diretor e roteirista) e Bernd Lichtenberg é impecável e, como se trata de um tema político, o longa teria tudo para ser cansativo, mas devido a sutileza do lado cômico, tornou-se surpreendentemente agradável; memorável - uma aventura vivida pouco antes da queda do muro de Berlim. Com meus 13 anos de idade - ainda lembro-me bem desta época (1989), mas não entendia muito bem o que estava acontecendo nos dois lados da Alemanha. Lembro-me que no ano de 1994, em um passeio na rua Augusta nos Jardins, vi uma loja vendendo um pedacinho do muro de Berlim, como um souvenir e, o preço não era muito acessível para um garoto de 18 anos. Agora, se o pedaço do muro era verdadeiro, não saberia dizer, poderia ser o pedaço de qualquer muro. Enfim, não comprei o souvenir, mas lembro-me dele até hoje, 13 anos depois.

Ao iniciar o longa, logo vi que seria extraordinário, pois o diretor usa uma película inicial de baixa-resolução - provavelmente uma película 8mm ou super-8 -, dando impressão de uma filmagem caseira; amadora. Este toque cria uma realidade e uma certa seriedade na trama. Wolfganger Becker também usa planos abertos na filmagem, mas nada exagerado.

Adeus, Lênin! É um longa imperdível não só para os cinéfilos, mas para todos aqueles que desejam aguçar sua visão de mundo e conhecer um pouco mais da história além de seus horizontes. Este longa reafirma a minha convicção de que muitos filmes são didáticos, impulsionando minha idéia de levar adiante um projeto de inclusão social neste ano de 2008 - Espero que a Prefeitura facilite e coloque em ação este projeto que visa a melhoria no ensino pedagógico para a população de baixa-renda; os "ainda" excluídos da sociedade.



FICHA TÉCNICA:

Título Original: Good Bye, Lenin!

Gênero: Drama

Duração: 118 min.

Ano: Alemanha - 2003

Distribuidora: Sony Pictures Classics

Direção: Wolfganger Becker

Roteiro: Wolfganger Becker e Bernd Lichtenberg

Site Oficial: www.good-bye-lenin.de

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Feios, Sujos e Malvados

"Comédia a la Italiana, esse é um filme dos anos 70 que retrata da forma mais engraçada e caricata possível a realidade de quem vive em favelas. Protagonizado pelo ator Nino Manfredi, na pele Giancinto Mazzatella, um pai de família que vive em pé de guerra com seus 10 filhos, sua esposa, em um minúsculo barraco de madeira numa favela em Roma. Imaginem a confusão, mas não para por aí, Giacinto recebe uma quantia farta do seguro por ocasional acidente de trabalho, o clima esquenta de verdade. Ele passa a se afastar da família aos poucos, pois todos cientes da "bolada" que o pai recebeu, começam a bajula-lo com a intenção de receber alguma caridade; um quer ser barbeiro e montar a sua barbearia, o outro quer uma moto nova, a vovó quer uma tv nova, a esposa quer tratamentos de beleza, enfim todos querem uma fatia do bolo. Giancinto finge não ser com ele, não se importa com os clamores da família, pois, ele chega a conclusão que eles só querem a sua grana e mais nada, só querem sugar. Tentam rouba-lo a noite, ele esconde o dinheiro toda vez que sai para beber. O mais engraçado está por vir. Entre várias brigas, ele acaba baleando um de seus filhos, e vai para a cadeia, o delegado já não aguenta mais ver a cara de Giacinto, promete que se ele voltar mais uma vez, não sairá tão cedo da cadeia, Giacinto se defende. Hilário, mas ao mesmo tempo degradante. Enfim, Giancinto parece encontrar uma pessoa que o compreende, Iside, uma garota obesa, que ele acaba conhecendo em um momento de reflexão sobre a vida, após mais uma bebedeira. Os dois parecem ter nascido um para o outro, trocam confissões, se divertem. Giacinto decide levar Iside para morar em seu barraco, toda a família está em casa, ele convida Iside para compartilharem o mesmo leito. Sempre embriagado e ignorante, ele declara que Iside agora vive ali, e quem não concordar que saia agora mesmo. A família se revolta, a situação se torna crítica, como viver daquela forma, o pai leva para casa a primeira estranha que encontra na rua, insustentável para eles. Prometem vingança contra o pai, à família ele não dava um "tostão furado", sua amante ele tratava com uma princesa, resolvem mata-lo. Chegam em um consenso, decidem mata-lo. Bem o final...confira você mesmo! O filme é classificado como comédia, e verdadeiramente o é, porém vale ressaltar a forma realistica em que a vida é mostrada, não foge muito ao que nós vemos por aí, a luta diária contra a pobreza, a doença, a falta de condição, de perspectiva, acaba sendo de alguma forma um filme dramático também. Lhes falta tudo, todavia não falta uma coisa, a alegria de viver. Altamente recomendado para quer dar umas boas risadas. Clássico do cinema italiano". Por Rodrigo HM.









terça-feira, 6 de abril de 2010

Trailer - Feios, sujos e malvados

Poster - Feios, sujos e malvados


Ettore, cineasta da melhor escola

Hoje pode-se incluir Ettore Scolla, 59 anos, como um dos cinco mais sensíveis cineastas do mundo. Excelente roteirista de comédias sociais dos anos 50/60 - a partir de "Canzioni Di Mezzo Secolo", 1952, de Domenico Paolela - estrearia como diretor em 1964, em "Fala-se de Mulheres" (Se Permettete Parliamo di Donne), com Vittorio Gassman. A partir de então, não parou mais de realizar filmes bem sucedidos, em diferentes gêneros - de comédias como "O Comissário Pepe" (1969) e "Ciúme à Italiana" (1970) a dramas intimistas como o belíssimo "Um Dia Muito Especial" (Una Giornatta Particolare, 77), na qual voltou a reunir Sophia Loren e o seu ator favorito, Marcelo Mastroianni, que buscou para inúmeros filmes - desde o quilométrico (título) "Conseguirão os Nossos Heróis Encontrar o Amigo Misteriosamente Desaparecido na África?" até o elogiado "La Terrazza", de 1979, que há 11 anos se espera que chegue ao Brasil.

Com outro de seus atores favoritos, o comediante Nino Manfredi, fez um drama social pungente, embora em ritmo bem humorado - "Brutti, Sporchi e Cativi" (Feios, Sujos e Malvados, 1975). Nos anos 80, após "Um Dia Muito Especial", Scolla fez experiências diversas: o mergulho crítico ha história ("Casanova e a Revolução", novamente com Mastroianni), um filme sem diálogos, num mesmo cenário ("O Baile"), uma crônica de 80 anos na vida de uma família, também num único cenário ("A Família", 1986), além da comédia (que permanece inédita) "Maccharoni", 1985, reunindo Mastroianni e Jack Lemmon.

No ano passado, Scolla voltou às telas com "Chere Orea É?", adivinhem com quem: Mastroianni, é claro.

Para muitos seu melhor momento foi "Nós que Nos Amávamos Tanto", 1974, no qual reuniu um superelenco - Gassman, Manfredi, Mastroianni, Aldo Fabrizi, Stefania Sandrelli e até, num papel pequeno mas importante, Frederico Fellini.

Feios, sujos e malvados

Em algumas seqüências de "Feios, Sujos e Malvados" alguns espectadores ensaiam risos. Mas parece não chegar a contaminar histrionicamente a ninguém. Ao contrário, há uma sensação de sufoco, de angústia, frente a imagens tão brutais, chocantes como a que Ettore Scola coloca neste filme denso e pesado, um documento amargo de nossos dias. "Feios, Sujos e Malvados" não é uma comédia, muito menos um filme agradável. Ao contrário: é desagradável a quem busca o belo, o colorido, o alienado. Mas é fascinante, série e importante - sem dúvida um dos melhores filmes do ano - para quem sabe exigir do cinema uma participação social. Com Scolla, o cinema italiano reassume a linha social que tão bem marcou o Neo-Realismo. Aliás, pode-se classificar "Feios, Sujos e Malvados" como um filme neo-realista - assim como o magnífico "Eles Não Usam Black-Tie" (cine Plaza, 4a semana) é também, a sua maneira, um filme neo-realista brasileiro - que reata as relações que Nelson Pereira dos Santos propunha há 27 anos passados em seu "Rio, 40 graus".

Focando toda ação numa família de favelados de Roma, "Brutti Sporchi e Cattivi" - que valeu a Scolla o prêmio de melhor diretor do festival de Cannes, há 5 anos - demorou para chegar. Suas imagens são contundentes e a realidade que espalha não são mera coincidência com o Brasil ou qualquer outro país subdesenvolvido. Aliás, por uma destas coincidências, o curta-metragem que o antecipa, sobre a vida do cientista Carlos Chagas, focaliza na última seqüência uma favela do Rio de Janeiro. Os casebres no alto - sobre a grande cidade. Momentos depois, é a favela de Roma - com suas habitações improvisadas, sujas, poluídas - em contraste com as cúpulas dos edifícios do Vaticano - vistas à distância, mas não tão distante que não passem a ironia e a crítica.

Scolla, um cineasta italiano de formação política vigorosa e cujo "La Terraza" (programado para o Brasil) venceu o festival de Cannes, há dois anos, não situa-se de forma panfletária ou maniqueísta em seu filme. Todos os personagens de "Feios, Sujos e Malvados" são colocados em seu deserdamento social, marginais da vida e convivendo animalescamente. A família de 15 pessoas que habita um casebre de duas peças, o patriarca (magnífica interpretação de nino Manfredi, possivelmente sua melhor atuação) que os humilha, a ganância pelo dinheiro, a entrada em cena da prostituta - uma presença felliniana, constituem - ganchos - para que, pouco a pouco, vários aspectos sociais sejam revelados/discutidos, mas sempre com uma consciência crítica - sem cair na separação de "bons" e "maus". Ao contrário, todos os personagens se apresentam , tal como o título - "Feios, Sujos e Malvados". Talvez a única exceção seja a personagem que abre e fecha o filme: a menina de botas amarelas que ao amanhecer na favela sai para apanhar água na bica comum. No final, a sua gravidez indica que a miséria, a luta pela sobrevivência, a sordidez terá seqüência naquele mundo sórdido, triste, marginalizado - mas admitido pela sociedade capitalista.

Com exceção de Nino Manfredi, não há atores ou atrizes conhecidos. Mas todos têm excelentes atuações, compondo tipos nauseantes em certos momentos (a seqüência em que se planejar a morte do velho pai, com o contraste da carne crua sendo devorada, é quase escatológica), mas que não poderiam aparecer de outra forma. Afinal, "Feios, Sujos e Malvados" não é um filme sobre ambientes sofisticados, romances cor-de-rosa e happy end. É cru, duro, violento como a vida - o que é mostrado nas imagens e na sua emocionante trilha sonora, de Armando Trovajolli.

Um filme marcante e inesquecível. Que merece ser visto por quem sabe apreciar o cinema com algo mais do que simples entretenimento.

domingo, 21 de março de 2010

O genocídio de Ruanda


John Hurt em cena do filme "Shooting Dogs", dirigido por Michael Caton-Jones
Reprodução

Dois filmes recentes tratam da matança dos tútsis em 1994, em que mais de 800 mil pessoas foram mortas, sob o olhar indiferente do mundo

“Todos os grandes personagens viraram as costas para nossos massacres. Os boinas-azuis, os belgas, os diretores brancos, os presidentes negros, as pessoas humanitárias e os cinegrafistas internacionais, os bispos e os padres, e finalmente até Deus.” A constatação é de Élie Mizinge, um dos assassinos confessos hútus que participaram do massacre em Ruanda.

O depoimento deste e de outros nove hútus que pegaram em facões e porretes a fim de exterminar a etnia tútsi está no livro “Uma temporada de facões: relatos do genocídio em Ruanda”, do jornalista francês Jean Hatzfeld, lançado no Brasil em 2005. O autor teve longas conversas com os entrevistados na penitenciária de Rilima, onde todos cumprem pena pelos crimes cometidos durante o massacre.

Sete deles eram jovens amigos de colégio, encontravam-se nos cabarés de Kibungo, região pantanosa próxima à capital Kigali e trabalhavam juntos na lavoura. Impressiona a ferocidade e a franqueza dos relatos. “Primeiro, quebrei a cabeça de uma velha mamãe com uma porretada. Mas, como ela já estava deitada no chão, meio agonizante, não senti a morte em meus braços. Voltei para casa de noite sem nem pensar nisso”, revela no livro um dos matadores hútus.

As atrocidades aconteceram há 12 anos -os ataques começaram nos primeiros dias de abril de 1994-, e não houve qualquer tipo de intervenção de órgãos de segurança mundial. As tropas da ONU pouco fizeram e mantiveram postura omissa quanto à possibilidade de salvamento das vítimas.

Keir Pearson, roteirista do filme “Hotel Ruanda”, declara no material extra do DVD (disponível no Brasil a partir 20 de abril): “Quando comecei a pesquisar o assunto o que me espantou foi que a ONU sabia o que estava acontecendo, foi alertada, mas houve um esforço consciente do Ocidente em ignorar”. No filme, uma cena simboliza bem a impotência das tropas diante da milícia extremista hútu Interahamwe, que comandou a ofensiva contra os tútsis.

Integrantes hútus, amontoados no caminhão e empunhando facões, chegam perto do hotel Mille Collines, onde o protagonista Paul Rusesabagina (Don Cheadle) abriga órfãos e tútsis ameaçados pela matança. Em frente ao portão de entrada, está o coronel Oliver (Nick Nolte) com soldados boinas-azuis da ONU. Os milicianos ficam cara a cara com o coronel e gritam palavras de ordem. Para intimidar, jogam fora do caminhão um capacete azul manchado de sangue com a inscrição “United Nation”. Oliver apenas acompanha de longe a arruaça promovida por eles.

Outra tentativa de voltar os olhos ao massacre ignorado à época é o filme “Shooting dogs”, do diretor escocês Michael Caton-Jones, que estreou recentemente em Londres e já tem contrato fechado com a distribuidora Imagem Filmes para ser lançado no Brasil em agosto deste ano. Assim como “Hotel Ruanda”, a ação desenrola-se em um lugar real que serviu de abrigo aos acossados tútsis: a escola secundária Ecole Technique Officielle, com sede em Kigali.

O padre católico inglês Christopher (interpretado pelo ator John Hurt) e um jovem professor tentam a qualquer custo evitar as matanças na capital Kigali e proteger mais de 2.500 tútsis e hútus moderados que são perseguidos pelas milícias extremistas. Mais uma vez, é realçado o caráter de desamparo das vítimas. Quando chegam as tropas francesas à capital, a ordem é clara: só serão resgatados os estrangeiros brancos. Nas horas seguintes à partida dos soldados, a grande maioria dos abrigados da escola é brutalmente assassinada.

“Eu decidi que, mesmo com dificuldades, nós tínhamos que rodar o filme em Ruanda e filmar na Ecole Technique Officielle. E devíamos também fazer o filme com os sobreviventes do genocídio. Eles precisam contar suas histórias”, disse o diretor Caton-Jones. A equipe viajou ao país e passou cinco meses até terminar as filmagens em Kigali. Muitos ruandeses participaram do projeto, como Maggie Kenyama que serviu como assistente de direção. Ela perdeu a irmã durante o massacre e até hoje procura pelo corpo.

“Shooting dogs” teve sua estréia mundial em Kigali. Mais de 1.500 pessoas, dentre elas alguns sobreviventes do genocídio e participantes da produção, foram ao estádio Amahoro, na capital de Ruanda, assistir à primeira exibição do filme. Apesar de gerar discórdias por reavivar memórias de um episódio ignominioso, o presidente ruandês, Paul Kagame, mostrou-se satisfeito. “Filme como este ficará como parte de nossa memória relacionada ao genocídio, e eu acho que a memória precisa ser guardada”, disse.


Em busca de respostas

A atenção voltada ao massacre de Ruanda, mesmo que tardiamente, pretende resgatar parte da história que havia sido ignorada e também busca questionar a motivação de uma matança sem precedentes na história mundial contemporânea. Os dois filmes em questão, “Hotel Ruanda” e “Shooting dogs”, não encerram o assunto nem estão a serviço de uma tese esclarecedora das ações. No entanto, cumprem o papel de tocar na ferida e açular reflexões.

No começo de “Hotel Ruanda”, o operador de câmera de uma emissora de televisão, Jack Daglish, interpretado por Joaquim Phoenix, puxa conversa no bar com um jornalista renomado de Kigali, interpretado por Mothusi Magano. Ele pergunta “qual a verdadeira diferença entre um hútu e um tútsi”. O jornalista responde que “segundo os colonos belgas, os tútsis são mais altos e elegantes” e, por fim, diz: “Foram os belgas que criaram essa divisão”.

Na tentativa de encontrar no passado alguma resposta que possa elucidar esse conflito entre as etnias, o jornalista francês Jean Hatzfeld, autor do livro “Uma temporada de facões”, alerta para a revolução popular de 1959 que resultou na independência do país em 1962. Foi uma revolta camponesa hútu que derrubou a aristocracia tútsi e aboliu a servidão. Os líderes dessa insurreição aproveitaram a situação para marginalizar a comunidade tútsi, formada por camponeses, funcionários e professores.

Sob o domínio dos hútus, os tútsis passaram a ser apontados como pérfidos e parasitas num país superpovoado. Em 1973, com o golpe do major Juvénal Habyarimana, a autonomia de administração hútu consolidou-se e gerou bastante desconforto à população tútsi. Ficou instituído o confisco de bens, o deslocamento da população, a fim de isolar o inimigo, além de ter sido aprovada uma lei de proibição de casamentos mistos entre as duas etnias.

O estopim que pareceu deflagrar definitivamente o conflito aconteceu em 6 de abril de 1994, quando o presidente hútu de Ruanda, Habyarimana, foi morto após a explosão do seu avião. Imediatamente a autoria do atentado recaiu sobre os tútsis. A matança iniciou-se na mesma noite na capital Kigali. O resultado seria um total de 800 mil pessoas –entre tútsis e hútus moderados– mortas em 12 semanas.

Nos depoimentos dos matadores entrevistados por Hatzfeld no livro, tende-se a pensar numa ação premeditada e anterior à morte do presidente. “Em 1991, nos jornais militares o tútsi era apontado como o inimigo natural do hútu que precisava ser eliminado definitivamente. Estava escrito em letras garrafais na primeira página. Com o tempo, o alvo foi sendo pouco a pouco difundido nas estações de rádio”, disse um dos hútus que participaram da matança.

Não à toa as primeiras falas do filme “Hotel Ruanda” são ameaças veiculadas numa estação de rádio. Segundo Hatzfeld, as mensagens transmitidas por rádio tiveram papel fundamental para inflamar os ânimos dos assassinos. “Nos estúdios das rádios populares, como a Rádio Ruanda ou a Rádio Mil Colinas, os tútsis são chamados de ‘baratas’. Apresentadores famosos, como Simon Bikindi e Kantano Habimana, pregam abertamente a destruição dos tútsis”, escreveu o autor.

Até o fim do massacre, por volta de 14 de maio, os hútus, acostumados ao trabalho árduo nos bananais e nos cafezais, haviam trocado as atividades pela rotina de matar diariamente. Como declaram no livro de Hatzfeld, era uma tarefa mais lucrativa, que trazia fartura para dentro de casa, pois não se preocupavam mais com a seca e as colheitas perdidas e acumulavam bens com as pilhagens.

Mesmo os hútus moderados, que não compartilhavam da idéia do genocídio, sofreram ameaças por não colaborarem e alguns foram mortos. Muitos desertores tinham de pagar multas em dinheiro ou eram obrigados a matar como forma de provar sua fidelidade às autoridades policiais. É o que ocorre, em certo momento do filme “Hotel Ruanda”, com o personagem Paul Rusesabagina, cuja esposa era tútsi.

Ele implora a um oficial do exército hútu para não matar sua mulher e outros vizinhos tútsis que estão jogados no chão. O militar oferece-lhe a arma e ordena: “atire neles”. Paul diz que não sabe usar armas e promete retribuir com dinheiro, caso o oficial deixe os amigos em paz. “Quem hesitasse em matar, por causa de sentimentos de tristeza, tinha de disfarçar suas palavras a todo custo e não dizer nada sobre a razão de sua reticência, sob pena de ser acusado de cumplicidade”, disse Pio Mutungirehe em depoimento no livro de Hatzfeld.

Por mais que o autor e jornalista francês tenha se lançado numa obsessão a fim de compreender o genocídio em Ruanda -é seu segundo livro sobre o assunto-, as respostas parecem escorregar entre seus dedos. Um dos entrevistados, Joseph-Désiré Bitero, respondeu-lhe: “A fonte de um genocídio o senhor jamais verá, está enterrada bem fundo nos rancores, sob um acúmulo de desentendimentos dos quais herdamos o último. Chegamos à idade adulta no pior momento da história de Ruanda, fomos educados na obediência absoluta, no ódio, fomos entupidos de fórmulas, somos uma geração sem sorte”.

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Fernando Masini
É jornalista.

sábado, 20 de março de 2010

Poster do Filme Hotel Ruanda

Trailer - Hotel Ruanda

Hotel Ruanda - O Schindler africano

É inevitável que ao assistir Hotel Ruanda façamos uma comparação com o premiado e cultuado filme A Lista de Schindler, do diretor Steven Spielberg. Há evidentes pontos de encontro especialmente no que se refere aos personagens principais e ao clima de catástrofe reinante nos países em que acontece a ação. O que também impressiona muito aos espectadores é saber que as histórias apresentadas nas telas são reais e que o todo aquele sofrimento aconteceu...

Guardadas as devidas proporções históricas, há um outro pormenor que pode ser percebido pelo público. Trata-se da forma diferenciada como os dramas da vida real foram tratados pela mídia internacional e pelos governantes dos países mais ricos do mundo. Na 2ª Guerra Mundial, ainda que de forma tardia, os países foram entrando no conflito e se posicionando contra a tirania e as violências praticadas pelos nazistas.

Mobilizados pelo poder econômico da comunidade judaica do mundo todo, os principais órgãos noticiosos do planeta foram informando a população mundial das atrocidades de guerra cometidas pelos seguidores de Adolf Hitler. Após o cessar fogo e os tratados de paz, a memória do holocausto foi sendo recuperada e se tornou tema de museus, estudos, pesquisas, livros, filmes,...

O massacre da população de Ruanda, um pobre país exportador de chá e café, localizado na região central do continente africano, ex-colônia da Bélgica, não foi capaz de movimentar a imprensa internacional. Calcula-se que aproximadamente um milhão de pessoas tenha morrido na guerra civil que abateu o país em 1994 e praticamente nada a respeito do assunto foi divulgado para os países do Ocidente.

Cena-do-filme-homem-falando-com-homem-da-lei

O descaso foi tão grande em relação a Ruanda que as tropas de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) foram retiradas do país e recomendou-se que não interviessem nos embates entre hutus e tutsis (as etnias locais que disputavam o controle político do país).

A diferença quanto ao interesse internacional em relação aos dois acontecimentos também fica evidenciada pela repercussão quanto aos dois filmes. O investimento, a divulgação, a quantidade de salas de cinema, os números relativos ao lançamento do filme em vídeo e DVD, as vendas de ingressos e cópias da produção de Spielberg foram gigantescas quando comparadas com os resultados obtidos por Hotel Ruanda.

Isso não quer dizer que um filme seja necessariamente melhor do que outro. Tanto é assim que o reconhecimento por parte do público e da crítica foi ótimo em ambos os casos. Isso nos permite afirmar, com certeza, que Hotel Ruanda, do diretor Terry George, é uma daquelas pequenas e muito brilhantes pérolas que ocasionalmente são lançadas pelo cinema.

Trata-se de um filme de grandes qualidades e que, entre todas elas, tem como seu maior trunfo levar o grande público a refletir sobre as desgraças que afligem o continente africano e a verdadeiramente se sensibilizar e mobilizar-se em favor de maior justiça, paz e harmonia no mundo em que vivemos.

O Filme

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Paul Rusesabagina (Don Cheadle, indicado ao Oscar pelo papel) é gerente do hotel Milles Collines em Ruanda. Esse estabelecimento recebe hóspedes do mundo todo e é muito conceituado pela qualidade de seus serviços e acomodações. Trata-se, evidentemente, de um hotel de luxo. Apesar de trabalhar nesse ambiente rico e privilegiado e também de ter uma vida confortável numa casa de bom padrão, Paul vive num país a beira do caos, uma autêntica bomba relógio prestes a explodir...

Seu país é uma ex-colônia belga dividida entre duas etnias, os hutus e os tutsis. Avesso aos problemas políticos, Paul é uma pessoa muito bem informada quanto às pendências e disputas por trabalhar num dos locais onde se reúnem autoridades locais e internacionais que discutem o futuro de Ruanda. Pelos corredores de seu hotel circulam diplomatas, políticos, generais, representantes das Nações Unidas, investidores estrangeiros e turistas.

O hotel Milles Collines, em virtude de sua importante clientela internacional, torna-se então um local relativamente protegido contra os abusos e violências praticados na guerra. Quando estoura o conflito muitas pessoas (tanto da população local quanto estrangeiros que estão no país) buscam refúgio no estabelecimento gerenciado por Rusesabagina.

É nesse momento que se revela a grande história que movimenta o filme e que sensibiliza os espectadores, Paul recebe os refugiados e se torna protetor de todos aqueles que estão escondidos no Milles Collines, inclusive sua mulher e filhos.

Hotel Ruanda é um filme que tem como temática central a humanidade de seu personagem principal. Paul Rusesabagina é um daqueles anônimos heróis do cotidiano que, a despeito de qualquer glória que possam atingir, age movido pelo coração e pela fé apesar do medo e das ameaças que sofre. Numa atmosfera em que a morte ronda a todos (há milhares de corpos de vítimas inocentes jogados pelas ruas e rios da região), era preciso ter muita coragem e dignidade para enfrentar as hostilidades e é nesse quesito que a história contada em Hotel Ruanda conquista espectadores no mundo inteiro...

Para Refletir

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1- Em uma das cenas mais importantes do filme Hotel Ruanda, o jornalista Jack Daglish (interpretado por Joaquin Phoenix) volta das ruas com fortes imagens do horror da guerra. Inúmeros mortos espalhados pelo chão enquanto as violentas ações continuam aparecem nas filmagens mostradas pelo repórter ao chefe de sua equipe e são também vistas por Paul Rusesabagina. Preocupado com a reação do gerente do hotel, Daglish se desculpa e Paul responde que acha importante que a comunidade internacional saiba dos acontecimentos em Ruanda para que se mobilize. A resposta do jornalista é então sintomática quanto à repercussão desses ocorridos quando ele diz que as pessoas verão isso enquanto jantam, se sentirão sensibilizadas e, depois de alguns segundos de indignação, retornarão as suas refeições... De que forma podemos superar essa tão evidente indiferença? O que pode ser feito para que não fiquemos apenas pasmos com os acontecimentos e imobilizados em nossas ações? Conversem com seus alunos. Discutam o tema. Busquem respostas em enquetes através da Internet ou entrevistas. Leiam sobre o assunto. Algo tem que ser feito em situações como essa...

2- A África é um continente esquecido e abandonado, em especial os países que não dispõem de petróleo, ouro, diamantes ou outros produtos de grande interesse comercial. Destruída por guerras em certas regiões, padecendo com epidemias de grandes proporções (como a Aids), sofrendo com as guerras pelo poder e a ambição desmedida de líderes corruptos e despóticos, o berço da humanidade foi deixado a sua própria sorte, sem amparo e projetos de recuperação por parte da comunidade internacional. Seria interessante propor um grande projeto de pesquisa sobre a África que levasse os estudantes a entrar em contato com embaixadas, trocar informações pela Internet com pessoas de nações africanas, levantar dados pela rede mundial de computadores, buscar livros sobre o tema, assistir outros filmes,...

3- O humanitarismo percebido nas ações de Paul Rusesabagina não pode ser desprezado como tema a ser trabalhado em aulas e debates sobre o filme. Carecemos de mais exemplos de solidariedade, dignidade, coragem e ética. Vivemos num mundo onde os escândalos parecem prevalecer, a corrupção endêmica tomou conta de vários países (até mesmo do nosso), a violência grassa vidas sem que os outros se sensibilizem e a desonestidade é a regra e não a exceção. Trabalhar valores, respeito e despertar os jovens para uma vida mais engajada em favor da justiça e da harmonia no mundo é tarefa urgente e importantíssima da escola e da sociedade.

Ficha Técnica

Hotel Ruanda

Título Original: Hotel Rwanda
País/Ano de produção: EUA/Itália/África do Sul, 2004
Duração/Gênero: 121 min., Drama
Direção de Terry George
Roteiro de Keir Pearson e Terry George
Elenco: Don Cheadle, Desmond Dube, Hakeem Kae-Kazim,
Tony Kgoroge, Neil McCarthy, Nick Nolte, Sophie Okonedo,
Joachin Phoenix, Fana Mokoeda.

Links
-http://www.adorocinema.com/filmes/hotel-ruanda/hotel-ruanda.asp
- http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=10432
- http://www.cineclick.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=9071


João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).